Circos ♡

Naqueles dias corridos em que você, a passos largos e decididos, saía da escola e eu o seguia, tentando manter o ritmo e não perder o fôlego. Naquele tempo que você não era comum, que não esperava o fim do expediente, que a empresa te virava as costas cedo e eu pensava: meu deus do céu, que é que que essa cara tem pra estar assim sempre fugindo? E o pior é que eu não descobria. Eu te acompanhava, eu te observava pelas costas, eu ia mirando seus passos até te perder de vista e, depois que perdia, o pior acontecia: eu parecia te conhecer menos ainda que antes. Vontade de te perguntar, tive muita. De chegar perto, de te dar um beijo, um abraço, certo carinho ríspido pra que você não se sentisse assim como eu, acanhado feito bicho encolhido contra a parede. Mas não o fiz. Em respeito, por todas aquelas coisas que você supostamente já havia vivido. E que agora — porque a gente sempre julga o passado como sempre — te feriam todo. Mas não consegui, ainda. Quero dizer: isso tudo que vou dizendo é pra talvez te provar que ainda não deu. Que isso que fica ainda insiste, martela, machuca, rabisca, sufoca, menospreza. Até a parte mais ínfima e que deveria não ter importância. Porque eu lembrei de repente, assim, como que um súbito pássaro que passa em voo, da Rita Lee cantando Coisas da Vida. E como é estranho, concordei com ela. Como é estranho ser humano nessas horas de partida.