Quando as coisas não são para acontecer, nem nos sonhos elas dão certo. !!!

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Circos ♡


Não sei, parece pouco. Há gente morrendo de frio em Nova Iorque, gente passando fome na Ásia ou na África, na minha rua um mendigo completamente morto, já morto mesmo vivo, e pra mim, essa dor parece ínfima. Já tentei contornar. Tomar remedinho, conversar, rezar, ler, suspirar, fazer ioga, meditações que li, olhar o céu num dia claro, olhar o céu num dia muito escuro, respirar pausadamente, contar até dez, imaginar uma situação razoável. Tudo vai descendo, vai correndo, vai fugindo, os sentimentos todos como crianças dum orfanato, a porta finalmente se abre pra um parque recém construído: tudo vai embora, nada fica. Quero ser assim não, é difícil. Às vezes minha mãe pergunta, emagreço sem causa aparente, as roupas caem, me sinto ridículo. Como pra tentar suprir esse buraco no estômago que não sei se é fome, certamente é medo, nunca se preenche, nunca, nunca mesmo. Psicologia reversa, eu fico cada vez mais louco: quanto mais exercito minha gula, pior me sinto. Quanto mais eu me afogo, mais ar entra no meu peito. Ar demais mata, don’t you know? Vou ficando assim, como se estivesse numa montanha — o ar rarefeito, a fogueira apagada, nenhuma planta nascendo, mata alguma à vista, sol sequer ressurgindo, um frio de guardar nos bolsos. Qualquer momento desses, que sempre existem, eu com uma loucura absurda, me rendendo aos meus instintos e comendo a minha própria mão. Acontece. Se fosse num desenho animado, coisas fáceis, finais sempre tão bonitos, eu poderia fazer qualquer coisa das que sussurram sempre. Esticar minha boca gigante, num O magnífico. Retroceder, fazer um movimento acrobático, engolir meu próprio corpo e provar sem querer, aquele ácido que corrói quando não há mais serventia. Comeria a cabeça, comeria os braços, comeria a perna, comeria os cílios, comeria o amor, comeria toda a saudade, comeria todo o medo, comeria todo o futuro, comeria toda a angústia, comeria toda a literatura resguardada, comeria toda a alma. Até que ela se cansasse de ser mastigada e voasse, singela, pura, angelical, pra um lugar alto demais pra que meu sofrimento alcançasse. Afim de fazer trabalho voluntário, qualquer coisa, viajar pro Sudão, médico não profissional, aqueles caras que abraçam de repente a cruz vermelha e fazem da vida uma eterna corrida altruísta. Carregar algumas crianças no braço, dizer pra elas que o mundo é uma merda, mas que há sempre um futuro, não bonito, mas aceitável. Montar e desmontar barracas, procurar água num lugar inóspito, ver um parto num lugar bem sujo, fazer uma força pra que minha existência valha. Eu não quero me tornar um pedaço. Vi um filme ontem, ou hoje, sempre tão tarde os filmes que tocam. Mas dizia algo como “somos partículas”, e eu pensei: “partículas?” Porque eu realmente, no fundo, sempre quis ser muito mais do que uma simples coisa. Um presidente, um fanático religioso, um fotógrafo de coisas minúsculas, um psicólogo aposentado e escritor, o dono de um canil gigante, um amigo próximo dum parente distante do Mandela, um pedante que escreve cartas pros outros na rodoviária pra enviar pra longe, um qualquer que escreve numa placa “abraços grátis”, e vai pro meio da rua, pra distribuir essas coisas que não dão mais por boa vontade. Preciso de pena, preciso de murros ritmados na cara, preciso do veneno, preciso não conseguir respirar por tempo suficiente pra agradecer pela respiração, depois de tudo. Eu só não quero essa parte que falta. Eu só não quero que fique esse vácuo. Eu só não me quero assim, desse jeito. Eu me quero diferente em mim.

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lalala...